quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O HOMEM É BOM?

Na Amadora BD deste ano tive a oportunidade de trocar umas ideias com o David Loyd acerca do seu último trabalho (“Kickback”), o qual expressa a faceta humana que o mais disturba: a propensão inata do Homem para o crime e a facilidade com que este se distancia face ao mesmo. Comecei por concordar com ele e afirmei que o homem mais pacato e sereno se confrontado, por exemplo, com um filho em perigo nas mãos de um meliante não se abnegaria de matar este último, sem grandes dramas. Depois evidenciei que estas seriam circunstâncias extremas e altamente improváveis, logo não se poderia analisar o Homem por um acto improvável. É certo que é apenas um exemplo, e não faltarão oportunidades ao Homem para cometer um qualquer crime, com ou sem filho à mistura, como é facilmente verificável. Parti, sem sucesso, para uma abordagem mais filosófica: “L'Homme, est-il bon?”, em referência à rapsódia de Moebius. Talvez não conhecesse, talvez seja “burro velho” ou talvez seja “raposa velha” e não quisesse entrar em tão etérea conversação enquanto fazia uma dedicatória no meu “V for Vendetta”. Prefiro acreditar nesta última. Afinal reconheço que não seria uma conversa fácil de ter em cinco minutos, por outro lado também não seria divertida, e com um ou dois copos a mais então não valeria mesmo o esforço. Mais, não sendo eu filósofo, as profícuas bases necessárias para abordar tal existencialismo poderiam faltar-me e então passaria por um metido a intelectual, o que não seria de todo agradável. Embora não seja um filósofo e não tenha as profícuas bases, tenho algumas para não me espalhar ao comprido caso a conversa fosse para a frente e até ter maneiras e alguma humildade para não dar uma de metido a arrogante e douto intelectual. Reconheço algumas das minhas limitações…outras, ainda não! Mas arrepiando caminho, provavelmente cairia na velha questão da moral, ou melhor, da falta dela. A capacidade de alguém cometer um determinado crime advirá (mas nem sempre) da sua moral perante si e a sociedade. Ressalvo os paradoxos e as circunstâncias extraordinárias.

Nos álbuns do Escorpião (Marini), As Nove Famílias recriam a sociedade assentando-a numa amálgama de regras definidas por uma moral Católica, e que se não fossem acatadas culminariam em danação eterna (na vida, pela consciência; na morte, por suposta vontade divina) a quem as infringir. Estes illuminatti (As Nove Famílias) por não se regerem pelas regras que criaram, logo, dominam o mundo.

Numa outra ocasião, numa conversa, havia alguém que defendia que o mundo é dos “espertos” (por sinal alguém que tinha um negócio de vendas agressivas!), eu argumentei que o mundo ainda é dos inteligentes, os “espertos” é que têm a mania que é deles. As Nove Famílias foram inteligentes em moldar uma sociedade na qual não teriam que viver segundo as regras por eles implantadas. Os “espertos” são imorais não por terem a inteligência necessária para perceber a cabala, mas conhecendo a leis morais preferirem não as seguir para proveito próprio: existe aqui a diferença entre o “esperto” pura e simplesmente não saber que não há crime algum e em consciência saber que está a cometer um crime, respectivamente.

Tanto melhor a regra, mais fácil será aceitá-la como meritória. Daí eu acreditar que o Homem é bom, por acatar com facilidade um conjunto de regras que o refreiam; daí eu acreditar que o Homem não tem moral, apenas vive de acordo com as regras de quem era inteligente e que conseguiu trazer ordem ao caos de uma sociedade que sem regras seria extremamente difícil de subjugar. Confundo “bom” com “ingénuo”? Enquanto adjectivos, quantas vezes não andam eles de mãos dadas? Obviamente é uma visão monocromática. Livros, compêndios, extensas obras de uma vida foram escritos sobre o assunto. Leiam algumas, se tiverem paciência (estou certo que já o fizeram num dado momento).

Em tudo que nos rodeia, Banda Desenhada incluída, há uma exploração deste pressuposto. Ao longo da História, em sociedades que não a Judaica, Católica, etc., a moral associada não era exactamente a actual, embora convirjam em muitos aspectos. Actos de barbárie são hoje cometidos que outrora seriam deploráveis perante uma outra perspectiva moral, e vice-versa.

Moëbius/Jean Giraud explorou muito bem estes aspectos nos seus realmente ficcionais e improváveis mundos. Desde o título referido supra a outros que nascem desse: “The Long Tomorrow”; “Escala em Pharagonescia”; “O Homem de Ciguri”; “A Garagem Hermética”; “O Mundo d’Edena”. Mesmo os títulos “O Cristal Maior” e “Altor” explora essa faceta do Homem, de maneira mais suave, escrevamos assim.

Marini cria uma série (Escorpião) baseada no pressuposto da (falsa) moral (onde é que estão os álbuns em Português? A série já vai no oitavo volume!).

Os Comics Norte-Americanos, seja qual for a época, sejam mainstream, sejam indies, sejam underground, sejam o que forem, são, sem dúvida na sua esmagadora maioria, obcecados pela moral. Cada vez menos “a preto ou branco”, é seguro, mas lá está ela por todo o lado.

A BD Sul-Americana é também profícua no tema, e ao contrário da congénere do Norte é bem menos monocromática e apresentada de forma mais subtil, vitima dos diversos governos despóticos dos seus vários países. Em Portugal também existem alguns exemplos desta BD exploratória da moral, ou falta dela; também apelidada de “pouca-vergonha”.

Cada sociedade se debruça sobre a moral de diversas maneiras. É interessante ler algumas Mangas e dentro desta alguns géneros. Eu não conheço muito, é certo, mas as que li não as vi muito preocupadas com a moral, mas mais com a inevitabilidade da vida e suas convergências e divergências. A fatalidade abunda. Claro que já li algumas em que é o “mal” contra o “bem” e ponto final.

Noutras culturas não há uma lição de moral, antes uma escola que ensina o karma, uma lição de vida, o bem e o mal. Dois termos para a mesma coisa?

A moral é indissociável da condição Humana? O Homem só será Homem enquanto mantiver algum conceito de moral? Será que é a moral que nos diferencia dos animais, ou apenas os polegares oponíveis? Será que tanta moral afoga o Homem, ou será que falta mais moral para “salvar” o Homem? De uma coisa estou seguro, a moral será sempre a principal fonte da qual o Homem beberá, restará saber se por vezes não estará envenenada.

Eu gostei da forma como o Moëbius abordou em última análise esta questão, que ele próprio colocou: o Homem não é Bom nem Mau, é apenas intragável!