segunda-feira, 15 de junho de 2009

O ESTIGMA DOS COMICS

Este é um post de indignação. Não é a primeira vez, nem será com certeza a última, que alguém ao saber do meu gosto por BD (Banda-Desenhada) e por Comics acaba por escarnecer destes últimos (ou mesmo dos dois!). Usualmente ficam-se por maldizer os Comics. A justificação acaba por ser sempre a mesma: “Não gosto de super-heróis”. O que eu acabo sempre por entender é que essas pessoas percebem absolutamente quase nada de Comics. É perfeitamente aceitável, veja-se, ninguém precisa de saber o que são os Comics para bem da sua cultura, trabalho, vida social (por vezes é melhor nem saberem, em prol da sua vida social), sobrevivência, etc. No entanto, a ignorância nunca foi uma coisa bonita quando se teima em continuar a viver debaixo dela e quando confrontados com uma visão mais esclarecedora que poderia quebrar o preconceito. É, de facto, a teimosia no preconceito que me fere.

- Não gosto de super-heróis.

- Mas os Comics não são só super-heróis. Se te deres ao trabalho de leres alguns dos posts que eu publico no meu bloguezito verás que muito poucos são sobre super-heróis, e mesmo esses são sobre super-heróis muito pouco convencionais, poderá dizer-se que são sobre “anti-super-heróis”.

- AH! Tudo bem, mas eu não gosto de Comics.

- E gostas de BD?

- Alguma. Gosto de Corto Maltese e do Bilal.

A conversa fica quase sempre por aqui. Mais pela vergonha que essas pessoas têm em falar de BD em público (não vão ser conectados com algo que é aparentemente visto como leitura para putos).

Devo acrescentar, antes de continuar, que aceito sem qualquer tipo de problema que haja pessoas que pura e simplesmente não gostem de arte sequencial (chamem-lhe BD, Fumetti, Gibis, Mangá ou Comics). Gostos não se discutem, lá diz o povo. Não é minha intenção assumir qualquer papel de missionário para andar a converter quem quer que seja, por maior que seja a minha paixão. Também compreendo que muitas pessoas associem os “Super-Heróis” aos Comics. É natural que assim seja. A Industria dos Comics está conectada aos personagens que lhe deu força e notoriedade Mundial: Os “Super-Heróis”. Mas, Super-Heróis é igual a Comics? Não, não é. Ou, pelo menos, NÃO É SÓ igual a isso.

As pessoas que melhor me conhecem sabem que eu (já) não sou nenhum puto e que até tenho alguma cultura que me permite falar de inúmeros temas, tão díspares como a literatura (sem serem Comics ou BD, pois também são literatura…por muito que não concordem), religião, física, biologia, astronomia, astrologia, política (ao estilo taxista e mesmo na vertente da ciência política propriamente dita), história, música, etc. Não sou nenhum erudito em qualquer um dos temas, é certo. Estou sempre pronto a aprender ao ponto de reconhecer que nem sempre o que eu penso está de facto correcto, sejam factos, sejam pré-concepções de gostos (às quais também não estou isento). Afinal só necessitava que alguém as explicasse de forma mais esclarecedora para que eu pudesse alterar a forma como as via e sentia. Apesar de eu ter uma natureza teimosa, lembro-me que a tenho e tento contrariá-la para não ser um mentecapto e, pior, acéfalo. Por vezes é difícil contrariar tal natureza, confesso.

Os Comics, caríssimos(as) amigos(as), não são apenas sobre tipos vestidos com licra e capinhas esvoaçantes. Entendam que eu também gosto deste género. Cresci com eles e no fundo, no seu tempo, até gostava de ser como eles: tipo mutante como o Wolverine, ou um génio multimilionário como o Tony Stark (Iron-Man). Mas acabei por crescer e fazer-me um homenzinho. Aliás, os Comics também acabaram por crescer.

Na vertente “Super-Heróis” dos Comics e desde os tempos do Superman (1932) e do Batman (1939) terem pela primeira vez aparecido muitas coisas mudaram. A primeira grande mudança deu-se no início dos anos 60 do séc. XX, com o aparecimento do Spider-Man (Criado pelo Stan Lee e pelo Steve Ditko - 1962). Este super-herói introduziu o factor humanista nos habituais personagens heróicos com capacidades sobre-humanas, pelo aproximar do público-alvo (jovens) ao personagem: é jovem, classe média-baixa, anda no liceu, é vítima de bulliyng, é inteligente e sonhador e torna-se um combatente das injustiças devido a um muito improvável, convenhamos, inverosímil acontecimento, enaltecendo, enobrecendo, o facto que “com grandes poderes, grandes responsabilidades”.

Em 1963, o Stan “The Man” Lee com o Jack “The King” Kirby criou uma equipa que também abalou os alicerces dos Comics: X-Men. Estes sujeitos nasciam com um gene que “acordava” com a chegada da puberdade e se manifestava em casos de grande ansiedade e ou desespero. Cá está, os putos sonhavam (secretamente) em se tornarem um mutante qualquer e libertarem-se do jugo de quem quer que fosse que os restringisse e ou subjugasse.

Aquele pré-requisito de se ser alienígena, ou treinar artes-marciais que nem um louco e ter medo de morcegos, deixou de ser essencial para atingir o factor “Super”. No fundo, a leitura dessas aventuras em formato Comics era um escape do dia-a-dia; uma novela das 21horas para putos iberbes.
O sucesso estrondoso que esta receita trouxe ao mundo dos Comics fez (e faz) a delícia da garotada e, porque não, das casas que as publicam, nomeadamente a Marvel e a DC a liderarem destacadamente o mercado multimilionário.

Mas a garotada cresceu e a mina de ouro não podia acabar ali, naquela idade público-alvo. Os próprios escritores/argumentistas e os artistas/ilustradores também ansiavam por criar coisas diferentes, ou recriar estilos mais antigos de Comics, estilos que antecediam o género “super-heróis” e que foram de grande sucesso. Estilos como o Policial Noir, o Hard-Boiled, o Terror e o Fantástico, a Guerra (com os seus heróis e anti-heróis, por sinal, muito humanos), a comédia satírica, o erotismo, a capa e espada, a espada e fantasia, etc. Foram muito mais abundantes nos Comics os géneros que não os dos Super-Heróis durante bastante tempo.
A própria arte dita Pop começou a colar-se ao processo, sendo o caso do Roy Lichtenstein um caso de renome e também um caso controverso, pois foi acusado de plágio descarado de Comics (comparem as imagens em cima do quadro do Roy L. ao centro com as pranchas muito mais antigas do Russ Heath); eu prefiro pensar que antes foi um elogio aos comics e ao papel destes na Pop Art. Mas os Comics continuam a ser um parente pobre da Arte e da Literatura. Felizmente este estigma está a ser bastante contrariado.

No final dos anos 80, mas principalmente durante os anos 90 surgiram publicações que derivavam das duas grandes casas de Comics Norte-Americanas. Estas duas grandes casas passaram a se designar por Mainstream, por continuarem debaixo das suas chancelas os principais títulos lhes deram notoriedade. Na Marvel: Spider-Man, Uncanny X-Men, Avengers, Fantastic Four e muitas dezenas mais. Na DC: Detective Comics, Batman, Superman, Justice League, Wonder Woman, e muitas dezenas mais. As novas chancelas que derivaram das casas mães, que se designam por Imprints, dedicam-se a géneros de Comics mais literários e onde a arte é muito mais expressiva, normalmente destinadas a um público-alvo mais adulto. Não escrevo mais exigente, pois o público do mainstream é extremamente exigente (cronologia, direcção artística, fidelidade aos personagens e seus títulos, etc).

Com imprints como a Epic, MC2 e MAX pela Marvel; ou Helix, Vertigo, DC Focus, Elsworlds e Cliffhanger pela DC, ou mesmo a Amalgam das duas em conjunto, abriu-se um novo mundo de oportunidades. Algumas destas continuavam a dedicar-se ao universo de super-heróis, mas outras aproveitaram o distanciamento e dedicaram-se exclusivamente (ou quase) a géneros “super-heróis não entram”. Prendia-se também a oportunidade e vontade que muitos dos talentosos artistas e argumentistas tinham em deterem eles próprios os direitos sobre o seu trabalho, o que os títulos mainstream não possibilitam.

A imprint VERTIGO, da DC, é um estrondoso sucesso nesse género e na criação das supra mencionadas oportunidades, com títulos de incrível qualidade que atingiram a crítica literária de tal maneira que alguns livros (leia-se comics) foram colocados no top 100 das melhores obras literárias do séc. XX publicada pelo New York Times. "Watchmen", escrito pelo Alan Moore e desenhado pelo Dave Gibbons, publicado no final dos anos 80 pela DC é o exemplo mais flagrante do reconhecimento literário ao género Comics. Embora seja um Comic de “super-heróis”, foi com este livro que se começou a desconstruir a faceta de incólumes dos mesmos. É, basicamente, um requiem aos Super-Heróis como eram conhecidos e percepcionados até então.
A VERTIGO editou (e reedita) em formato Comic Book, Tradepaperback e Hardcover, títulos como: “V for Vendetta” (Alan Moore e David Lloyd); “Sandman”, “Death” (Neil Gaiman); “Lucifer” (Mike Carey); “Fables” (Bill Willingham); “DMZ” (Brian Wood); “Losers” (Andy Diggle); “Y: The Last Man”, “Pride of Baghdad”(Brian K. Vaughan); “Transmetropolitan”, “Orbiter” (Warren Ellis – um dos meus favoritos), “Scalped” (Jason Aaron), “American Virgin” (Steven T. Seagle), “100 Bullets” (Brian Azzarello); Hellblazer (vários); sobre alguns dos quais podem ler os posts que neste bloguezito foram colocados.

A IDW publica autores como Garth Ennis, Ben Templesmith. A WILDSTORM é representada por autores como Brian K. Vaughan e Warren Ellis ("Atmospherics", "Ocean"). Na Dark Horse são às dezenas os nomes sonantes de autores que escapam ao género “Super-Heróis”. A Image, com autores como, aqui também, Warren Ellis: "Ministry of Space". Já que gosto tanto de ler Warren Ellis, porque não também a Avattar Press, com títulos como "Freak Angels", ou "Crecy" na linha Apparat. Existem mais.

Títulos que abordam: o misticismo, recriando a criação de acordo com as diversas visões religiosas; elaboradas teorias da conspiração; Mundos distópicos; Mafiosos; Policias; Guerra Civil; Sociedade; Romance; Paranormal; Ficção-Cientifica; História; Terror; etc. Sem um único “Super-Herói” vestido de licra e capinha esvoaçante!

Claro que o mainstream é, talvez, o mais prestigiado e que faz realmente vencer um qualquer autor e artista na “gazilionária” Industria dos Comics. O convite para escrever um ciclo dos X-Men, do Wolverine ou do Spider-Man é absolutamente irrecusável.

Refira-se que o conjunto do autor/argumentista e do artista/ilustrador/co-autor é que faz a qualidade de um qualquer título. Mas, admite-se, que o autor/argumentista é o elo mais forte no sucesso desse título.

Eu ainda acompanho alguns títulos mainstream (com super-heróis); alguns para não “partir” a colecção (que já é considerável e bastante valiosa por alguns títulos), outros por continuar a gostar de os ler, pura e simplesmente.

Mesmo estes títulos mainstream evoluíram bastante. Os motivos são mais complexos, os personagens são bem mais tridimensionais, a influência política e mesmo geopolítica é uma constante, os diferentes aspectos e conflitualidades da actual sociedade são espelhadas nos intrincados argumentos, etc. Não se resume ao tipo que é “bom” a dar porrada no tipo que é “mau”. A divisão ou luta entre o “bem” e o “mal” não é tão linear, as questões morais diluem-se e são deixadas, muitas vezes, ao critério do leitor. Mas sim, continuam a serem tipos e tipas vestidos de licra, com máscara (ou não) e capinha esvoaçante.Para quem teima em associar Comics apenas a super-heróis, se se deram ao trabalho de ler este post talvez consigam agora ter uma visão mais abrangente. Eu não aprecio em especial o Expressionismo (tirando raras excepções), mas não posso dizer que não gosto de Pintura apenas por isso. Não aprecio certo tipo de Romance literário e não posso dizer que não gosto de ler. Não gosto de Jornais sensacionalistas, mas leio Jornais. Por tal, “não gosto de ler histórias com super-heróis, mas gosto de histórias whatever” é perfeitamente comum. Para quem não gosta de arte sequencial pura e simplesmente: Temos pena! Ninguém é perfeito :-)
Em suma: Comics é uma expressão de origem Inglesa que pode ter a tradução infeliz de "cómicos" e que designa as bandas desenhadas produzidas nos Estados Unidos da América.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

GLOBAL FREQUENCY

Você está na Frequência Global. É assim que um qualquer dos 1001 agentes é contactado pela coordenadora de comunicações da organização. A partir deste momento terá que se disponibilizar totalmente para resolver uma situação extrema.

Global Frequency é uma organização secreta e independente dirigida por uma antiga agente de um serviço de inteligência, que dá pelo pseudónimo de Miranda Zero. Os seus elementos abrangem as mais variadas especialidades e não são exclusivos da organização até serem despoletados para uma dada situação de extrema sensibilidade. Os elementos comunicam através de um rede de comunicações exclusiva que é monitorizada e coordenada pelo personagem feminino de nome Aleph.

O propósito de ser da Organização cinge-se à protecção e salvação do Mundo e seus habitantes das eventuais consequências desastrosas dos projectos e operações secretas de um qualquer Governo de um qualquer País do nosso Planeta. Os elementos da Organização são escolhidos e activados com base nas suas especializações, tão variadas e abrangentes como militares, atléticas, académicas nas várias vertentes das ciências, criminosas, etc. As ameaças com as quais os elementos da organização se debatem também são tão variadas quanto as especialidades desses elementos. Ameaças militares, terroristas ou mesmo paranormais são o quotidiano da Organização. Os fundos que sustentam a GF são de proveniência desconhecida, no entanto a sua responsável refere que alguns desses fundos advêm dos países que constituem o G8 na forma de pagamentos para que a GF não divulguem os secretos horrores com que lidam. Embora a existência de uma organização independente com capacidade resposta e reacção deixe as autoridades vigentes bastante nervosas, também é consensual que a GF dispõem das capacidades muito especiais, necessárias e voluntariamente disponíveis para agir onde elas não podem, conseguem ou querem actuar. Como resultado, a GF obtém a aprovação tácita para as suas actividades, onde até, por vezes, são chamados pelos Governos para agirem em situações de crise extraordinárias. No entanto, na maioria das vezes, a GF actua pro-activamente sempre que descobre tais situações extraordinárias.
Criada pelo Warren Ellis em 2002 e publicado pela Wildstorm Productions até 2003, teve a duração de 12 comics; foram publicadas, por sua vez, em dois TPB (“Global Frequency Vol. 1: Planet Ablaze” e “Global Frequency Vol.2: Detonation Radio”). Não será o seu melhor trabalho mas é bastante interessante, tanto no registo da ficção-cientifica como, talvez mais, no formato adoptado. O formato, single issue stand-alone comic book, é interessante pela raridade do mesmo na Industria dos comics, pese o facto que tem vindo a ser cada vez mais utilizado fora das chamadas casas mainstream. O formato permite que um qualquer leitor a qualquer altura possa entrar na história sem ter que ter a bagagem de números anteriores. Assim sendo, os únicos personagens regulares nas acções são a Miranda Zero e a Aleph. Esta estratégia provou ser mais electrizante pelo facto de nunca se chegar realmente a saber se os elementos da GF envolvidos em sanar os problemas conseguem sobreviver à missão (o que, por vezes, não conseguem); no último “episódio” da série reaparecem alguns personagens. Também é interessante realçar que cada história é desenhada por um artista diferente (Garry Leach, Steve Dillon, Chris Sprouse, JJ Muth, Simon Bisley, etc.), ficando os textos sempre ao encargo do Ellis, as cores debaixo da responsabilidade do David Baron e as originais capas à descrição do Brian Wood (ver post DMZ).

Pelo formato ao estilo televisivo de episódios, foi, de facto, tentado o projecto para a televisão. Não vingou, pois o episódio piloto foi descarregado para a internet antes da sua estreia, o que deixou a Warner Brothers bastante aborrecida, ao ponto de cancelarem o projecto. Uma pena.

É uma leitura fácil e fluida, tem histórias bastante bem pensadas, algumas (poucas) são fraquinhas. O nível de acção é elevado. Em termos de desenho é um verdadeiro mimo. Os TPBs trazem um papel “à lá Vertigo”, o que não é bom! A apreciação geral é positiva.